A maioria das pessoas certamente negaria se fosse perguntada sobre um possível ato de realizar compras apenas por impulso. Na certa e em muitos casos a negação seria veemente. Talvez isso seja um reflexo da própria inconsciência quando o assunto é consumir. Nem todos se dão conta de que já têm em casa muito mais do que lhes é necessário.

Segundo o pensamento de Augusto Cury, “vivemos numa sociedade consumista, numa sociedade de desejos, e não de projetos existenciais. Ninguém planeja ter amigos, ninguém planeja ser tolerante, superar fobias, ter um grande amor.” Um olhar mais reflexivo não nos levaria a esta mesma conclusão? E diante de resposta afirmativa, não caberia ainda a reflexão sobre o que mais nos proporciona momentos de felicidade? A grande maioria certamente enumeraria “coisas” que o dinheiro não pode comprar em suas respostas, mesmo que viva muito mais para o ter do que para o ser.

Já não somos apenas. Já não nos enxergam mais como pessoas. A primeira vista é sempre sobre as roupas que trajamos, o carro que nos conduziu ao evento, a decoração da nossa sala de estar ou se há um nome conhecido grafado na etiqueta da nossa calça jeans.

Não basta sermos? Alguns comportamentos sociais nos levam a crer que não. Parece que não é mais suficiente dizer sobre o que sentimos ou quais sonhos temos dentro de nós. A aparência de tudo é o mais conta, não se fala mais sobre a essência de cada um. Apenas uns gatos pingados andam preocupados com isso.Preocupantemente, não há sustos quando as etiquetas se encontram penduradas junto aos cabides, reservadas para uma ocasião que nem se sabe quando virá. Também não há sustos na quantidade de calçados guardados, mesmo que a quantidade de pés para calçá-los seja inversamente proporcional.

Quantos não caem nessa armadilha insana de comprar sem realmente precisar? Existe prazer no consumir e é difícil oferecer recusa a esses pequenos momentos de satisfação. É difícil se recusar a sair às compras, mesmo quando não há mais espaços nas gavetas. Inventam-se novos espaços, nem que sejam embaixo da cama se for preciso. Muitos já não se importam se estão comprando “mais do mesmo”, nem se preocupam se o limite do cartão ficará comprometido depois de mais essa compra.

Se há cansaço depois do trabalho ou se o que impera é a vontade de permanecer em casa, compra-se mesmo sem sair do aconchego do lar. A cada ano, os recordes de venda pela internet se superam. Que curioso: estamos consumindo mais e interagindo menos. Fica claro que muita gente tem achado melhor assim, já que a vida para esses não tem passado de um quem compra mais, sente vazio de menos, embora isso seja apenas um ledo engano.

Outro dia, um site de notícias bastante confiável, anunciou que há uma estimativa de que 76% dos brasileiros não pratica um consumo consciente. José Saramago adiantou essa previsão dizendo assim: “nós estamos a assistir ao que eu chamaria a morte do cidadão e, no seu lugar, o que temos e, cada vez mais, é o cliente. Agora já ninguém nos pergunta o que é que pensamos, agora perguntam-nos qual a marca do carro, de fato, da gravata que temos, quanto ganhamos.”

Vivemos tempos em que o mundo das “coisas” compradas parece ser o mais interessante de todos. Temos dado cada vez menos importância às “coisas” faladas, sonhadas, amadas, vividas. Olhos voltados muito mais para o que queremos comprar, nos tornamos comerciantes e consumidores, vendendo nosso tempo em prol de arrecadar para consumir cada vez mais. E isso não é invenção apenas de gente abastada. Há quem gaste seus trocados para abarrotar o armário com objetos baratos, mas que são absolutamente desnecessários.

Do jeito que a vida caminha, daqui a pouco estaremos comprando e vendendo abraços. Bom, pelo menos aí saberemos que o consumismo tem mesmo ido longe demais.