O ditado popular diz que “Nem tudo que reluz é ouro”. Dessa forma, é preciso considerar que entre o real e aquilo que aparenta ser real existe uma diferença enorme. Apesar disso, vivemos em uma sociedade em que a relação entre o aparente e a realidade se aperfeiçoou, de tal maneira que se tornou mais difícil diferenciar aquilo que é daquilo que aparenta ser. O ilusório, o superficial, o aparente, assim, ocupou os espaços sociais, os discursos, reproduziu-se como se fosse verdade, estabeleceu-se como controle das mentes e poder sobre as massas.

Como todo bom espetáculo que se preze, as cortinas procuram o tempo inteiro esconder os truques que escondem a realidade, a fim de que as pessoas se mantenham distraídas com os números apresentados e, sobretudo, com o número final, anunciado a cada instante e esperado ansiosamente por todos sentados na plateia. Entretanto, sabemos bem que o “grand finale” nunca chega, ou mais precisamente, é sempre reinventado, afinal, as expectativas, a fé na grandiosidade e benevolência do espetáculo não pode ser em nenhum momento perdida.

Essa construção, um tanto quanto fabular, representa o modo de controle aplicado às mentes em uma sociedade em que o espetáculo substituiu o real. E isso significa dizer que já não é interessante e/ou eficiente exercer o controle por meio da força, da violência propriamente dita. É necessário (e mais eficaz) que os próprios indivíduos exerçam internamente controle sobre si mesmos. Ou seja, que internalizem os valores que recebem a todo momento por meio da mídia e da publicidade, que estejam suficientemente distraídos para não pensar em suas condições de vida. Nesse sentido, Noam Chomsky aduz que na sociedade contemporânea: “Não se pode controlar o próprio povo pela força, mas se pode distrai-lo com consumismo”.

A partir disso tem-se a construção da “ditadura perfeita”, para lembrar Huxley, em que é imbuído aos próprios indivíduos um censor de controle sobre as suas ações. Mas, há de se considerar também os fatores que possibilitaram e possibilitam que isso ocorra. É interessante, assim, problematizar os próprios direitos, benefícios, garantias, teoricamente erigidos e aplicados na sociedade contemporânea. Em outras palavras, é necessário pensar até que ponto a construção de direitos, o estado de bem-estar social que outrora existiu, os seus resquícios nas constituições atuais, a ideia de Estado Democrático de Direito, não são também mecanismos de controle sobre as massas, a fim de que revoltas não aconteçam.

Por mais que materialmente não exista uma aplicação dos direitos e garantias supracitados, o fato de que eles possam vir a se concretizar, como o número final que em algum momento deverá ser apresentado, representa um fator de controle e credibilidade no sistema. Isto é, nas relações de poder estabelecidas na sociedade. É preciso saber relacionar os diferentes modus operandi de controle, que ora se estabelecem de forma mais dura e outras tantas mascaradas por um véu de uma conciliação, de extensão e garantia de direitos, quando, na verdade, o que se pretende é apenas a manutenção das massas controladas, satisfeitas com os pedaços de pão que caem das mesas dos poderosos.

Outro fator importante é o da fragmentação social, que é estimulado pelo sistema de desvínculos que nos forma e transforma a sociedade em uma arena constante de combate, em que temos que nos dividir e nos posicionar em sentidos sempre antagônicos. Dito de outro modo, o sistema, seja ele qual for, para defender o “establishment”, acaba sempre nos dividindo, tornando a sociedade fragmentada, ou como melhor define Eduardo Galeano: nos obrigando a ser fodidos ou fodedores; como se não houvesse ponto de intersecção possível entre o individual e o social.

Forma-se, desse jeito, uma sociedade pautada em ideologias desumanizadoras e alienantes, já que de um lado se estabelece uma organização social construída no espetáculo, e de outro uma fragmentação que destrói o tecido social e que destina a que cada ser humano viva como se fosse uma máquina desejante sem a existência de qualquer outra coisa no planeta. E, assim, harmoniosamente desunidos e controlados, os indivíduos se tornam massa: integrantes igualmente de um rebanho ordeiro e obediente. Se tornam colonizados, invadidos, dominados e subservientes ao sistema, que nos convence “que a servidão é um destino e a impotência, a tua natureza”.

Nessa cultura do terror, que reduz os homens à estatística: os controlados e os controláveis; o ser do homem não encontra lugar para existir e é condenado ao exílio, a ser andarilho, a viver amedrontado, porque a qualquer momento pode ser condenado ao fuzilamento por ter resistido às ardilosas técnicas de controle mental. No entanto, se ele ainda consegue fugir, se permanece o exílio, lugar de todos que desassossegam, é porque existe espaço suficiente para que cada um e todos possam despertar, pois é quando as luzes se apagam e as ruas são tomadas pela escuridão, que a trêmula chama das nossas velas precisam se juntar e mostrar, que apesar de frágeis, ainda são capazes de fazer fogo.