Considerado um dos escritores e intelectuais mais importantes do século XX, George Orwell era abertamente um socialista. Sua ideologia, no entanto, não era capaz de cegá-lo. Prova disso é que ao longo de sua carreira escreveu textos, ensaios e obras literárias com críticas a governos de esquerda, sendo “A revolução dos bichos” o exemplo mais notável.

Em tempos de polarização e cegueira coletiva (como na principal obra de José Saramago, “Ensaio sobre a cegueira”), Orwell aparece como perfeito exemplo a ser seguido. Todos nós temos direito a ideologias, pensamentos, críticas e argumentos. No entanto, quando uma pessoa é incapaz de enxergar as falhas e atrocidades cometidas pelo seu posicionamento político, seja ele de direita ou esquerda, cria-se o que vivemos hoje: idolatria.

Em ambos os lados, falta não apenas autocrítica, mas principalmente sensibilidade. De um lado, há os que ridicularizam a morte da vereadora Marielle Franco. Do outro, os que ignoram a morte de policiais em serviço. De um lado, há os que espalham fake news contra o PT. Do outro, os que espalham contra Jair Bolsonaro.

O estranho é ter que apresentar, como se fosse novidade, uma ideia simples que George Orwell já sabia nos anos de 1930: é possível fazer parte de uma corrente ideológica e, mesmo assim, identificar pontos falhos nela, denunciá-los e manter a ética ao criticar os adversários sem precisar recorrer a mentiras ou falácias. É como se as ideologias ultrapassassem a barreira do senso crítico e rapidamente caminhassem para a insanidade.

E então, independente de o posicionamento ser de esquerda ou direita, elas começam a agir de maneiras parecidas. Há, por exemplo, quem defenda que o ex-presidente Lula jamais fez algo ilícito em toda a sua trajetória política, sendo, na verdade, uma vítima de uma grande conspiração. Do outro lado, há quem acuse de fake news todos os pronunciamentos sexistas, homofóbicos e nonsense do candidato à presidência, Jair Bolsonaro.

Nesse cenário, muitos dos defensores de Lula e de Bolsonaro (mesmo discordando em praticamente tudo), agem exatamente da mesma forma: não são capazes de fazer autocríticas, mas apresentam uma idolatria cega.

O resultado disso é que o diálogo deixa de existir e dá lugar a uma troca de ofensas. Debates sobre assuntos complexos passam a ser resumidos a frases de efeito, memes ou slogans.

Ditaduras – da esquerda e da direita – passam a ser enaltecidas por pessoas que ainda não entenderam o quanto uma democracia pode ser frágil. Personalidades com pouco (ou nenhum) conhecimento se tornam vozes de uma geração, enquanto cientistas políticos, historiadores, economistas e sociólogos são colocados em segundo plano.

Em tempos de crise política, que consigamos enxergar que também somos parte do problema e que se concordamos integralmente com um candidato, seja ele quem for, é porque nosso senso crítico foi colocado pra dormir por uma coisa chamada alienação.