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Em um trecho de uma palestra para a Biblioteca Nacional, Leandro Karnal fala sobre como nós expomos a nossa dor ao mundo quando criticamos o outro, ao falar do outro, eu exponho a minha vulnerabilidade. Confira abaixo a transcrição do trecho.

“Todas as pessoas que são diferentes de mim desafiam minha maneira de ser; se elas forem felizes, então me desafiam enormemente. Você deve evitar atacar não só por humildade, mas também por vaidade, porque a maior “bandeira” que você dá acerca de sua dor é a sua crítica. Por exemplo, quando uma mulher mais velha diz que o modo de se vestir de uma mulher mais jovem é inadequado, ela está dando uma grande bandeira de seu incômodo. Tudo o incomoda se você não for bem trabalhado consigo.

A sociedade admira a força da intolerância (as pessoas pagam para ver outras se espancando em ringues), admira o “macho alfa” (conceito biológico, da década de 1950, que designa um bando de leões e que foi transportado para também designar o comportamento humano) e admira aquele que toma atitudes (Hitler, por exemplo, iniciou uma guerra que causou a morte de cerca de 55 milhões de pessoas, entre as quais havia seis milhões de judeus, além de gays, ciganos, testemunhas de Jeová, militantes comunistas etc., e qualquer aula que eu dou, onde cito o seu nome, eletriza a plateia – até os adolescentes acordam e a turma do “fundão” passa a prestar atenção. Por outro lado, há Adenauer, católico, honesto, democrata e defensor dos direitos humanos, que subiu ao poder na Alemanha após Hitler, reergueu o país, pagou as indenizações de guerra e construiu a República Federal da Alemanha, mas ninguém sabe nada sobre ele e não há minisséries sobre sua história. Adenauer é o homem do diálogo que, com quase oitenta anos, reergueu o seu país com convicções democráticas inabaláveis, enquanto Hitler era um psicopata que afundou metade do mundo).

A sedução pelo mal é enorme, havendo certa resistência à tolerância porque essa significa constância no sofrimento, ou seja, tolerar é sofrer, assim, a pessoa do “deixe disso” parece fraca. Isto está no nosso imaginário: quem recomenda a tolerância está fraco. A tolerância é lucrativa e a intolerância é danosa aos negócios; a tolerância é mais dada ao mercado e ao cartão de crédito do que à convicção e à cidadania.”

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas da palestra: Os ódios que nos dividem | Biblioteca Nacional 

Assista na íntegra:

Ninguém gosta de ser criticado na sua maneira de ser, nem mesmo aquelas críticas “construtivas” que por vezes podem estar carregadas de inveja e raiva. Aqueles que muito criticam na verdade expõem sua dor, intolerância e vulnerabilidade com sua própria maneira de ser.

Leandro Karnal (São Leopoldo, 1º de fevereiro de 1963) é um historiador brasileiro, atualmente professor da UNICAMP na área de História da América. Foi também curador de diversas exposições, como A Escrita da Memória, em São Paulo, tendo colaborado ainda na elaboração curatorial de museus, como o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.

Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutor pela Universidade de São Paulo, Karnal tem publicações sobre o ensino de História, bem como sobre História da América e História das Religiões.